Recentemente meu filho mais velho me disse que está pensando em cursar engenharia mecânica. Confesso: dei um sorriso orgulhoso, mas fiquei calado. Logo comecei a pensar: mas por quê? Será que ele sabe mesmo o que é engenharia mecânica? E será que ele sabe como ela será no futuro? Confesso que divaguei para outras questões relacionadas: quais serão os desafios futuros e quais as oportunidades? Imediatamente me lembrei de uma mesa redonda no último Cobem, na UFSC, que tratava do futuro da engenharia, e de um bate-papo posterior que tive com o Professor Gargioni e seus alunos em uma de suas disciplinas. É sobre isso que pretendo discorrer e refletir um pouco.
Tecer alguns cenários sobre o futuro da engenharia é algo instigante, que aguça a curiosidade e que requer um exercício de pensar, a longo prazo, o futuro da humanidade, suas demandas, seus desafios e oportunidades. Como qualquer previsão carrega um bocado de incertezas, a direção é mais importante do que a precisão quando tratamos de um horizonte de tempo mais longo. Mesmo nesse contexto de imprevisibilidade e ciente de que não conhecemos e não controlamos todas as variáveis que determinarão o futuro, precisamos de um ponto de partida. Afinal, planejar é importante para governos, instituições de ensino e pesquisa, empresas e outras entidades da sociedade, uma vez que elas precisam definir e desdobrar as suas estratégias, planos e políticas, sejam essas públicas ou privadas, seguindo uma visão de longo prazo.
E qual seria esse ponto de partida? Existem vários. Mas, para convergir, escolhemos a tendência de crescimento populacional associado à uma mudança no perfil socioeconômico da população. Vamos lá: segundo Hans Rosling, em seu livro Factfulness, somos hoje cerca de 7 bilhões de habitantes no Planeta. Desses, 4 bilhões ainda vivem em situação de pobreza ou extrema pobreza, com menos de $8 por dia. São pessoas que, apenas para exemplificar esse estrato socioeconômico, não possuem água encanada, tem fornecimento precário de eletricidade (quando tem) e não tem eletrodomésticos em casa. Mais da metade da população mundial vive em condições miseráveis em pleno 2022. É no mínimo chocante, não é?
Provido ou não de excesso de otimismo, o próprio Hans Rosling prevê que seremos em 2040 cerca de 9 bilhões de habitantes. Mas essa estimativa de crescimento traz uma boa notícia: mais 3 bilhões de pessoas ascenderão socioeconomicamente. Portanto, seremos um contingente de 6 bilhões de pessoas vivendo acima da linha de pobreza. Mais pessoas viverão em melhores condições e, consequentemente, demandarão mais produtos industrializados e serviços, consumirão mais energia elétrica, exigirão meios de transporte mais rápidos e eficientes, terão mais acesso à tratamentos de saúde, apenas para mencionar algumas mudanças e demandas decorrentes desse cenário, que representam, em sua essência, oportunidades para a engenharia do futuro.
Entretanto, não são apenas oportunidades. Carregamos junto alguns importantes desafios. E os principais passam pela sustentabilidade do Planeta. Uma provocação inicial para você que está lendo esse texto: considerando que os recursos naturais do Planeta são finitos – e que hoje já há escassez e/ou degradação descontrolada de alguns desses (poluição, por exemplo) – como ele será em um cenário futuro de crescimento populacional com mudança no perfil socioeconômico conforme descrito anteriormente? Antecipo a minha resposta crente naquilo que eu classifico como cenário inexorável. De nada adiantará termos um contingente maior de pessoas vivendo em condições socioeconômicas melhores, se a nossa grande casa não estiver em condições habitáveis. Uma analogia simples seria “como” planejar uma aposentadoria mais tranquila do ponto de vista financeiro, porém sem cuidar da saúde física e mental enquanto é possível fazê-lo. Nessa abordagem, os maiores desafios e oportunidades da engenharia do futuro passarão por viabilizar as soluções que suprirão as demandas da sociedade e ao mesmo tempo cuidar da sustentabilidade do Planeta. Todavia, com um desafio adicional intrínseco ao tempo: além da necessidade de mudança dos hábitos de consumo, precisaremos ser mais ágeis na geração de conhecimento e no desenvolvimento de soluções de engenharia do que o ritmo no qual degradamos o Planeta.
Vamos dar um pouco de cor a esses potenciais cenários? Dentre os principais desafios, decorrentes dessa tendência de crescimento populacional com mudança no perfil socioeconômico, destacaria alguns. Para início de conversa, haverá uma maior demanda por alimentos e água potável. Você tem dúvida disso? E ainda teremos uma elevada densidade populacional nas grandes cidades com os seus decorrentes desafios de habitação, de infraestrutura, de transporte, de mobilidade e de logística. Ufa! Acabou? Não! Teremos uma maior demanda por conforto, conveniência, bem-estar e mais pessoas terão acesso a produtos industrializados, pois as pessoas vão querer viver melhor. Consequentemente teremos um aumento na demanda por eletricidade concomitante a uma tendência de escassez dos recursos naturais. Soma-se a isso a tendência de envelhecimento populacional decorrente das mudanças no estilo de vida pautados por hábitos mais saudáveis, seguido por uma elevação nos custos de medicina e tratamentos de saúde. Será que agora acabou? Não! Não menos importante, mas propositalmente deixado por último nessa limitada lista, já temos atualmente e será cada vez mais intensa a necessidade de cuidar do aquecimento da temperatura do Planeta, reduzindo a emissão de CO2 e controlando a poluição.
A lista anterior é incompleta. Poderíamos acrescentar outros desafios, mas já é possível imaginar o quão complexos eles são. É nesse ponto que se encontram as oportunidades para o desenvolvimento de novos conhecimentos e novas soluções, nos mais diversos campos de atuação. Novamente, sem pretender ser exaustivo, vamos a algumas delas:
- soluções para geração, despoluição e preservação de água limpa e potável (Exemplos: dessalinização, extração de umidade, etc.);
- equipamentos e tecnologias para uma agricultura de elevada produtividade e que seja sustentável;
- desenvolvimento de novos alimentos (Ex.: impossible foods) e sua preservação via uma cadeia do frio mais eficiente e com menor custo;
- redução das emissões de CO2 via desenvolvimento de fontes de energias renováveis, eficientes, seguras e limpas (Ex.: eólica, solar, fusão nuclear, etc.) e via desenvolvimento de tecnologias e produtos industrializados com alta eficiência energética (baixo consumo de energia elétrica);
- desenvolvimento de novos materiais com alta durabilidade e que sejam recicláveis, que permitam a manufatura de produtos menores, com elevada confiabilidade, durabilidade e projetados para o reuso;
- geração de novas tecnologias e equipamentos para prevenção de doenças e seus tratamentos (dispositivos de monitoramento, inteligência artificial aplicada ao diagnóstico e tratamento, novas próteses eletromecânicas, etc.);
- soluções decorrentes do aumento da densidade populacional que passam pelos desafios de mobilidade ágil, de logística e de infraestrutura, assim como o desenvolvimento de construções civis mais inteligentes, sustentáveis, eficientes e menores, porém também confortáveis.
Para desenvolver as soluções relacionadas a essas e a outras oportunidades, muito provavelmente alguns campos existentes da engenharia evoluirão numa velocidade maior, ao passo que novos surgirão. Arriscaria aqui uma lista, porém ainda comedida: bioengenharia & ciência da vida para prevenir e tratar doenças, para aumentar conforto e performance humana; engenharia de veículos voadores para o transporte de bens & soluções de transporte urbano para pessoas; engenharia de fontes de energia renováveis; engenharia da água (purificação e geração); engenharia de novos alimentos (proteína não animal); engenharia de novos materiais e engenharia de “Big data” (computação quântica e intensificação do uso da inteligência artificial).
Ah… quase ia me esquecendo. E o engenheiro do futuro? Qual será o seu perfil? Dada a quantidade e complexidade dos desafios, combinados com um alto volume de novos conhecimentos, uma maior disponibilidade de dados e informações, eu arriscaria a dizer que o perfil tenderá à especialização. Apenas para citar um exemplo: ao invés do engenheiro mecânico “geral”, teremos ao engenheiro de HVACR (heating, ventilation, air conditioning and refrigeration). Aliás, algumas escolas de engenharia no mundo já caminham nessa direção de especialização. Considerando a necessidade de maior agilidade no desenvolvimento das futuras soluções de engenharia, eu apostaria que esse perfil mais especializado terá que ser complementado com multidisciplinaridade. Explico com um exemplo: já vemos hoje a eletrônica aumentando sua importância em vários campos. Temos sensores em diversos produtos e aplicações, tais como casa, carros, corpo humano, etc. Então, eu diria que teremos um engenheiro mais especializado, porém com a necessidade de desenvolver competências complementares. No exemplo anterior, teríamos um engenheiro HVACR que também conhece eletrônica.
Como escrevi no início deste texto, discorrer sobre o futuro da engenharia, para mim, é algo, além de instigante, fascinante. Assim, se eu ousasse resumir o que acredito que será a engenharia do futuro, diria que ela continuará relacionada à prevenção e solução de problemas em um mundo mais desafiador e complexo. Um mundo mais populoso, que demandará uma quantidade maior de água potável, mais energia elétrica, maior disponibilidade de alimentos, mais saúde, conforto e conveniência, em um Planeta com escassez de recursos naturais, com elevados riscos relacionados ao clima (aumento da temperatura e da poluição) e com disrupções de tecnologias cada vez mais aceleradas. Teremos também uma engenharia que necessitará evoluir mais rapidamente do que a degradação de recursos naturais e do planeta, demandando maior agilidade no desenvolvimento de novas tecnologias e, portanto, uma quantidade muito maior de engenheiros qualificados para impulsionar a redução de emissão de CO2, eliminação de água contaminada, desenvolvimento de agricultura sustentável, etc. E você, o que acha? O que você pensa sobre o futuro da engenharia?
Márcio Luiz Schissatti – Engenheiro Mecânico – UFSC – Turma 93.2
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